Pesquisadores decifram o genoma do barbeiro que transmite a doença de Chagas
10/12/2015
A doença de Chagas é transmitida por barbeiros, sendo a espécie Rhodnius prolixus um vetor relevante. Cerca de sete milhões de pessoas são afetadas pela doença, atualmente, no mundo todo. De acordo com o Ministério da Saúde, estima-se que existam no Brasil entre dois e três milhões de indivíduos infectados. Para investigar esse inseto, que se alimenta do sangue humano e de outros animais, cientistas de diversos países se uniram em um amplo projeto de pesquisa, que resultou no sequenciamento e análise do genoma do Rhodnius prolixus. O trabalho coletivo teve como desdobramento a recente publicação de um artigo na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), mantida pela Academia Americana de Ciências (leia o artigo: http://www.pnas.org/content/112/48/14936.abstract).
Desenvolvido há mais de cinco anos, o projeto envolve uma equipe transdisciplinar de 115 pesquisadores, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), do McDonnell Genome Institute da Washington University (MGI), do Centers for Disease Control and Prevention (CDC), as duas últimas sediadas nos Estados Unidos, e de outras instituições. “O Rhodnius prolixus é a primeira espécie, entre os insetos transmissores da doença de Chagas, a ter seu genoma mapeado. Realizamos uma análise completa, com uma cobertura de 95% das sequências genéticas”, diz um dos integrantes do projeto, Rafael Mesquita, professor do Departamento de Bioquímica do Instituto de Química da UFRJ. Além do Rhodnius, no Brasil, o mal de Chagas é transmitido pelas espécies de barbeiros Triatoma infestans e Triatoma brasiliensis. “Decidimos começar pelo genoma do Rhodnius porque o Triatoma infestans tem um genoma quase duas vezes maior, e seria um trabalho bem mais complexo”, diz Mesquita.
Os autores identificaram expansões peculiares de famílias gênicas relacionadas à alimentação sanguínea. “Essas expansões ajudam na compreensão dos mecanismos associados à alimentação do Rhodnius prolixus e podem ter facilitado a adaptação do inseto a uma dieta exclusivamente composta de sangue. Identificamos expansões em famílias associadas à quimio-recepção, que é um processo análogo ao olfato, a proteínas da saliva e enzimas digestivas”, explica Mesquita, contemplado pela FAPERJ no programa Auxílio Básico à Pesquisa (APQ 1).
Mesquita destaca que foi a 1ª vez que um barbeiro teve seu genoma mapeado Outro ponto importante levantado pelo estudo é a observação das vias de imunidade, que podem ser úteis para investigar como este barbeiro reage à infecção pelo parasito causador do mal de Chagas, o Trypanosoma cruzi – protozoário que entra pela pele da vítima durante a picada do inseto. “Estudamos se as vias de imunidade Toll e IMD eram capazes de controlar a proliferação da população do Trypanosoma cruzi no trato digestivo do inseto. Existe uma relação silenciosa entre estas vias (no inseto hospedeiro) e o parasito causador da doença de Chagas, como se o seu sistema imunológico não identificasse a presença do Trypanosoma. Conhecer melhor essa relação é o primeiro passo para tentar bloquear sua transmissão”, destaca o pesquisador.
Os dados genéticos analisados pelos diferentes grupos de pesquisa foram gerados com ajuda da bioinformática. Cada especialista contribuiu com uma peça do quebra-cabeças. Mesquita coordenou, no Laboratório de Bioinformática do Departamento de Bioquímica (IQ/UFRJ), com a participação do doutorando André Torres, diversas etapas bioinformáticas, incluindo a união das análises feitas pelos diferentes grupos.
Segundo Mesquita, a identificação de genes no genoma é como caçar palavras. “Imagine que você recebe um livro com as palavras agrupadas, e tem que identificar onde colocar os espaços entre as letras para poder ler. Esta é uma analogia para o processo de identificação dos genes de um genoma”, compara. Mas não basta ler, é preciso interpretar os dados. “A bioinformática encontra os genes dentro do genoma, depois verifica quais famílias de genes estão em maior número, quais as suas funções e, com isso, interpreta esses dados para construir a história biológica do organismo.”
O sequenciamento do genoma desperta a atenção dos pesquisadores para aspectos da evolução do barbeiro pouco estudados anteriormente, e que podem abrir caminho para novos estudos sobre a doença de Chagas. “O genoma é como um mapa para futuras pesquisas, já que permite estudar todos os genes de um organismo diante de determinado estímulo”, conclui.
O mapeamento do genoma foi financiado pelo National Institutes of Health (National Human Genome Research Institute and National Institute of Allergy and Infectious Diseases, dos Estados Unidos). A equipe brasileira recebeu apoio da FAPERJ e de outras agências públicas de fomento à pesquisa – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Fapesp) e Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig).
Da equipe brasileira, participaram também Pedro Lagerblad, do Departamento de Bioquímica Médica da UFRJ; Fernando Monteiro, Marcos Sorgine, Michele Alves-Bezerra e Raquel Vionette-Amaral, do Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo De Meis; Bernardo Carvalho, do Departamento de Genética do Instituto de Biologia da UFRJ; Helena Araujo, do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ, entre diversos outros pesquisadores e instituições.