Biotecnologia dos laboratórios para a vida real
07/06/2012

UFRJ lança BioInovar, polo que pretende aproximar cientistas e empresas.

Da bancada dos laboratórios até as indústrias e o grande público, descobertas científicas podem percorrer um caminho longo e tortuoso, muitas vezes impedindo que o avanço no conhecimento traga benefícios claros e rápidos para a sociedade. Para acelerar este processo e facilitar o intercâmbio entre os cientistas e destes com as empresas, o Instituto de Microbiologia Paulo de Góes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), lançou ontem o BioInovar, polo de biotecnologia que reunirá os principais laboratórios da instituição, hoje espalhados pelo campus da Ilha do Fundão, em uma estrutura física integrada, a um custo estimado em R$ 20 milhões.

O novo complexo de laboratórios será o maior do setor no Brasil e o único do tipo no Rio de Janeiro. Ele vai abrigar quatro diferentes grupos de pesquisa com foco em quatro grandes áreas de estudo: biocombustíveis; biofármacos e dispositivos biomédicos; biocatalizadores e bioprodutos; e ecologia microbiana e biotecnologia do petróleo. Além disso, o complexo será construído respeitando as regras mais atuais de biossegurança, o que permitirá que também sirva para a realização de testes com vírus e outros micro-organismos relacionados a doenças sazonais e epidemias.

"Estamos fazendo uma união entre grupos que já trabalham com biotecnologia e já cruzaram a ponte que separa a pesquisa básica e a indústria", diz Alexandre Soares Rosado, diretor do Instituto Paulo de Góes e um dos coordenadores da unidade de ecologia microbiana e biotecnologia do petróleo do BioInovar. "Vimos que tínhamos aqui na UFRJ várias iniciativas isoladas de grupos que são grandes ilhas conhecimento e produção científicos e resolvemos nos juntar em um bloco, o que facilita divulgar para a sociedade e captar recursos para o que estamos fazendo, dentro de um conceito de excelência e integração nas pesquisas".

A unidade de Rosado, por exemplo, já conta com parceria com a Petrobras e tem prontas bactérias capazes de "comer" petróleo, importantes aliadas no processo de limpeza em caso de vazamentos, batizado biorremediação. O grupo também trabalha com outros micro-organismos, como fungos e protozoários, que podem ser usados no monitoramento da poluição.

"Com técnicas de biologia molecular, a gente é capaz de tirar como se fosse uma impressão digital do ambiente em questão de horas", conta Raquel Silva Peixoto, outra coordenadora da unidade. "O BioInovar não é só uma iniciativa política, ele reúne gente que faz. Passamos muito tempo nos laboratório e já temos resultados para mostrar, com vários produtos prontos".

Outra destas inovações que podem chegar logo às ruas é um sistema de refrigeração para capacetes usados por motociclistas, operários, bombeiros, militares e outros profissionais sujeitos a traumas na região da cabeça. O protótipo foi desenvolvido por cientistas que integrarão a unidade de biofármacos e dispositivos biomédicos do BioInovar e já está sendo avaliado por instituições ligadas ao setor de segurança do estado do Rio, conta o neurofisiologista Renato Rozental, um dos coordenadores do grupo.

"O sistema de refrigeração cerebral é acionado em caso de traumatismo e previne a extensão da lesão, além de propiciar um transporte mais seguro para o hospital", explica Rozental. "Estes casos de traumatismo são uma verdadeira corrida contra o tempo e é importante frear o desenvolvimento das lesões, que levam a problemas irreversíveis no sistema nervoso central. Eles podem causar invalidez permanente com um alto custo para o Estado, a sociedade e a própria vida pessoal da vítima, provocando muitas vezes uma desintegração familiar. O sistema não é caro e poderia ser implantado dentro dos capacetes atuais. É assim que deve trabalhar um pesquisador-inovador, que olha sua sociedade e identifica suas necessidades".

Em tempos em que o debate sobre desenvolvimento sustentável e economia verde estão na berlinda com a proximidade da Rio+20, a unidade de biocatalizadores e bioprodutos do BioInovar tem o potencial de criar muitas soluções úteis, destaca sua coordenadora, Alane Beatriz Vermelho. Nos laboratórios sob sua responsabilidade estão sendo desenvolvidas enzimas que podem substituir compostos químicos tóxicos usados em processos industriais, na chamada "química verde".

"Com o mundo atravessando tantos problemas ambientais, ter essa preocupação de utilizar metodologias, processos e técnicas que não poluam o ambiente é uma vantagem para qualquer empresa", avalia. "Além de não gerar subprodutos tóxicos, estes micróbios podem produzir outros aminoácidos que podem ser reutilizados ou usados em outros processos. E mesmo quando eles já não puderem ser reutilizados, você pode enterrar eles que eles vão fazer bem para o solo, dando vida e não causando poluição".

Segundo Angela Uller, diretora do Criar, órgão de assessoria da reitoria da UFRJ para a área de inovação, com o BioInovar muitas das pesquisas que hoje estão "escondidas" nos laboratórios poderão ganhar aplicações práticas importantes para o crescimento e desenvolvimento do País.

"As universidades brasileiras têm avançado muito na produção de conhecimento, mas sempre nos cobram muito no que diz respeito à inovação, como a geração de patentes", conta. "Muitas vezes, um pesquisador diz que desenvolveu uma molécula fantástica e chega com um vidrinho com três grãozinhos dentro, o que não é prova de que ela funciona. A ideia é tirar os produtos da bancada dos laboratórios e dar mais escala, desenvolvendo-os e oferecendo-os para as empresas depois de terem passado por uma prova de conceito".
(O Globo)