Laboratório fluminense produz os primeiros nanorradiofármacos da América Latina
19/08/2011

Dentro de mais algum tempo, o tratamento de câncer ósseo passará a contar com um grande aliado. Nanocápsulas de samário 153 serão uma alternativa mais eficaz para o controle das fortes  dores que ele provoca. Outro nanorradiofármaco, à base de tecnécio-99m,  facilitará o diagnóstico de tumores renais. Ambos os fármacos já passaram, com sucesso, por testes com animais. "Agora estamos partindo para cumprir os procedimentos necessários para poder realizar os testes em humanos", fala o coordenador do projeto, o farmacêutico Ralph Santos-Oliveira. Serão os primeiros do gênero a ser produzidos na América Latina, resultado das pesquisas desenvolvidas no Laboratório de Nanorradiofármacos, que funciona no Hospital Clementino Fraga Filho (HUCFF), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). No mesmo lo cal, também foi instalado o Escritório de Farmacovigilância de Radiofármacos.

Com mestrado em engenharia nuclear e doutorado em biotecnologia, Ralph Santos-Oliveira especializou-se em radiofármacos. Ele está bastante otimista com o projeto, que conta com apoio do programa de Apoio à Pesquisa (APQ 1), da FAPERJ. "Utilizamos radionuclídeos, ou radioisótopos, emissores de radiação beta, que atuam sobre tecidos tumorais, destruindo-os. Quando o caso é para diagnóstico, empregamos radioisótopos com radiação gama, que não têm efeito deletério", explica. Como esclarece Ralph, grande parte dos tumores ósseos são resultado de metástase. Ou seja, são tumores secundários, que acontecem quando células de um câncer - em geral de mama ou de próstata - se desprendem e se alojam num segundo ponto do organismo. "Pode também acontecer de ser um tumor com origem no próprio osso, mas isso é mais raro." Segundo o pesquisador, o câncer ósseo costuma se localizar na bacia o u coluna, de onde pode fazer um caminho ascendente até o pescoço.

"O grande problema é que esses tumores provocam dores lancinantes, que só são amenizadas com morfina, cujos efeitos duram pouco tempo, ou por um procedimento cirúrgico", diz Ralph. Tanto uma quanto outra alternativa deixam efeitos colaterais. Com o nanorradiofármaco, no entanto, se tem uma alternativa bem mais eficaz, com maior tempo de duração. "Com o samário 153, o tempo de meia-vida, ou seja, o tempo em que a substância permanece atuando sobre o tumor, é maior. E como ele age com emissões beta, também é mais eficaz na inibição da dor. E como todo nanoradiofármaco, age diretamente sobre o tumor, sem atingir células sadias", explica Ralph.

O segundo nanorradiofármaco é direcionado para o diagnóstico do câncer e infecções renais. "Ele é baseado no 99-mTc-DMSA (ácido dimercapitosuccínico marcado com tecnécio-99m) em um modelo nanométrico. Em geral, como há obstrução das vias de excreção, é comum haver também o desenvolvimento de um processo infeccioso ao mesmo tempo em que ocorre o câncer renal", diz. Segundo  Ralph, o diagnóstico diferencial é bastante importante nessas situações. São exatamente essas características do polímero - de afinidade e adesão aos tumores  - que facilitam distinguir na hora um câncer de uma severa infecção renal.

"Do modo tradicional, um câncer renal é sempre de diagnóstico difícil. Mas com essa adesão ao tecido tumoral, fica mais fácil identificar se se trata de tumor ou de infecção", fala o pesquisador. Como ele explica, essas propriedades também possibilitaram firmar o diagnóstico precoce da pielonefrite, infecção aguda do trato urinário, que muitas vezes acomete crianças. "A dificuldade de diagnóstico acaba dificultando o tratamento, que passa a exigir doses elevadas de antibióticos. Com um diagnóstico precoce, o tratamento é muito mais brando e rápido."

Agora, a equipe está procedendo a testes em cultura celular, para ver como a substância se comporta em outras 37 linhagens tumorais. "Queremos saber se ela tem afinidade com outros tumores, em particular os de pulmão. Isso porque como são difíceis de tratar pelos métodos convencionais, seria ótimo ter outra alternativa terapêutica. A grande dificuldade encontrada normalmente é que a alta taxa de oxigênio no órgão oxida a medicação convencional", relata Ralph. Ele explica que um segundo problema são os alvéolos, que, no caso de um nanorradiofármaco, exigirão que se veja qual o tamanho dos isótopos mais adequado.

Além dos testes de toxicidade para as duas substâncias, os pesquisasdores também estão testando outros polímeros para avaliar a afinidade. "Dos tipos de formulação, vemos qual mais se adequa a cada caso. As nanocápsulas, em geral, são empregadas quando queremos proteger o princípio ativo, em situações como o ambiente do pulmão. Já as nanoesferas são mais utilizadas quando queremos atingir um tumor de difícil localização", diz Ralph. Com o projeto, ele e equipe têm um mesmo objetivo. "Queremos fazer a patente e transferir a tecnologia para o serviço público, que já conta com grandes instituições de produção de radiofármacos, como o Instituto de Engenharia Nuclear (IEN), no Rio de Janeiro, e o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), de São Paulo", adianta. Ao mesmo tempo, Ralph quer passar adiante o conhecimento adquirido com as pesquisas, formando profissionais para trabalharem na área.

"Mesmo entre o pessoal da área médica ainda existe um certo receio de trabalhar com material nuclear. Por outro lado, nosso laboratório tem tido uma grande procura, até por ser o único do gênero na América Latina. Queremos promover a especialização de um maior número de profissionais", anima-se o pesquisador. Para isso, em conjunto com o Conselho Federal de Farmácia, ele está organizando o primeiro curso de especialização em Radiofarmácia no Rio de Janeiro, previsto para acontecer em outubro. "Só quero que o paciente oncológico possa contar com um tratamento mais eficaz e menos agressivo. E isso é o que estamos conseguindo."

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