Admirável mundo novo?
15/07/2020

Aldous Huxley, Mary Shelley e Phillip K. Dick na literatura; Stanley Kubrick, Ridley Scott e Robert Zemeckis no cinema. São muitas as referências que trazem cenários fantásticos e inacreditáveis há décadas. Carros voadores podem ainda não cruzar os céus das cidades, mas aperfeiçoamentos no corpo e na mente humanos já são uma realidade que insere a ética e a tecnologia num debate essencial na contemporaneidade.

Marcelo Araújo, professor da Faculdade Nacional de Direito, se debruça, há alguns anos, sobre os estudos da ética aplicada, ramo que trata da discussão filosófica de problemas concretos que suscitam questões morais relevantes para a sociedade. Entre os usos das tecnologias mais discutidos na área atualmente estão a inteligência artificial e a biotecnologia, que vêm levantando questões morais relevantes.

“O desenvolvimento nessas áreas vem ocorrendo de modo tão rápido que muitas vezes as legislações vigentes não são capazes de lidar de modo adequado com perguntas sobre, por exemplo, como garantiremos a privacidade de bancos de dados com informações genéticas das pessoas, como regularemos o uso de medicamentos para fins não terapêuticos, ou como evitaremos que o desenvolvimento tecnológico agrave desigualdades sociais”, afirma.

Muitas questões similares podem ser percebidas no dia a dia da população, como o vazamento de dados sigilosos, o uso de medicações para melhora de desempenho, além dos grandes impactos na vida social e de acesso à tecnologia.

“A constatação de que novas tecnologias podem ser utilizadas também para fins que vão além do simples tratamento é óbvia. Quando, por exemplo, estudantes recorrem ao uso de medicamentos na expectativa de obter uma performance cognitiva melhor, eles não estão tentando tratar um problema de saúde que poderia comprometer suas funções cognitivas. O objetivo é melhorar ou ‘aprimorar’ uma capacidade que eles já têm”, explica.

A maior dificuldade no debate ético ainda é compreender os limites para que as legislações não sejam tão restritivas a ponto de proibir a realização de pesquisas que possam contribuir para o desenvolvimento da população, mas que também não sejam tão liberais a ponto de acarretar danos que ainda não podem ser mensurados. Araújo cita o nascimento de gêmeas que tiveram seu genoma editado ainda na fase embrionária na China. “As modificações feitas no genoma delas serão legadas a seus descendentes, sem que sejam claros, nesse estágio do desenvolvimento científico, todos os riscos envolvidos na manipulação do genoma humano.”

A pandemia e a tecnologia

O surgimento do SARS-CoV-2, vírus responsável pelo surto da COVID-19, aumentou ainda mais a importância da tecnologia para as pessoas. Com as quarentenas e isolamentos, a internet, os celulares e os computadores se tornaram essenciais para a manutenção do contato social e do trabalho de milhões de pessoas. Além disso, pesquisadores ao redor do mundo se juntaram para combater a doença e impedir sua evolução. A pesquisa genética com infectados e não infectados pode influenciar diretamente na compreensão do vírus e nas melhorias em prevenção e tratamento.

O professor afirma que, para lidar com doenças antes não existentes e contra as quais os seres humanos não têm anticorpos, é necessário ir contra o que é considerado natural, ou seja, um aprimoramento.

“A questão, porém, é sabermos por que razão o que não é natural deve ser rejeitado. Não é natural, por exemplo, que tenhamos imunidade a uma série de doenças, mas nem por isso consideramos errado nos vacinar contra doenças que podem comprometer nossa saúde.”

Araújo representa a UFRJ no Projeto Sienna, acordo internacional de pesquisa, financiado pela União Europeia, que reúne países como Brasil, França, Alemanha, Grécia, Espanha e Estados Unidos. A iniciativa busca compreender a percepção do público quanto à ciência e o papel dos pesquisadores na evolução das tecnologias e no impacto ético das pesquisas.

“Embora o Brasil não produza tecnologia de ponta, em muitos quesitos é o país mais receptivo a novas tecnologias, especialmente tecnologia para fins de ‘aprimoramento humano’”, conclui.

Fonte: Conexão UFRJ (Adaptada)

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